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CONTROLE EMOCIONAL - Existe mesmo?


Sou psicólogo clínico há mais de quinze anos, os últimos dez dedicados em grande parte ao atendimento de familiares de militares da Marinha, em um serviço com volume ininterrupto de casos e rico em variedade de demandas. Com o progresso na carreira militar, passo a chefiar equipes e a me interessar também pelos temas organizacionais. Recentemente li Outliers, fiz as contas e vi que acabo de ultrapassar minhas dez mil horas de experiência no consultório, sempre envolto em leituras de ambas as áreas, clínica e organizacional. Já faz um tempo que pesquiso pontes entre elas, e hoje me animei a escrever um pouco sobre controle emocional, que me parece importante para ambas. Vamos lá?


Começo citando um artigo publicado na Harvard Business Review em 2013, Emotional Agility, que trata de como líderes eficazes lidam com pensamentos e sentimentos negativos. O artigo menciona um experimento, realizado por um professor de Harvard, em que indivíduos são convidados a evitar pensar em um urso branco, concluindo que tentativas de minimizar ou ignorar pensamentos ou sentimentos tendem apenas a amplificá-los.


“Qualquer pessoa que já sonhou com bolo de chocolate ou batatas fritas enquanto fazia um regime rigoroso entende esse fenômeno”, aponta o artigo. Ora, quem primeiro se interessa e vai fundo na investigação dessa dinâmica é o então neurologista Sigmund Freud, que abandona a medicina para inaugurar – nos termos de hoje – sua ‘startup disruptiva’ chamada psicanálise.


Em 1917 (lá se vão cem anos), Freud, já reconhecido pelo abalo que causara em sua época, publica um artigo em que destaca três duros golpes que abateram o orgulho humano: o primeiro, conferido por Copérnico, que retira da Terra o título de centro do sistema solar; o segundo, vindo de Darwin, que elimina do homem qualquer presunção quanto à origem de sua espécie; e o terceiro, o que a própria psicanálise estabelece com o postulado: “O eu não é o senhor de sua própria casa”.


Copérnico faz a humanidade cair do cavalo, o orgulho de alguns ainda insiste em recusar Darwin, e quanto a Freud, em que o essencial de seu legado pode tanto nos abater? Bem, voltemos ao experimento de Harvard. Experimente se prometer não pensar em um urso branco por cinco minutos. Não precisa nem começar... Somos dotados de um algoritmo linguístico incapaz de se autoprogramar de modo infalível: esse simples experimento revela em nós um ponto fora de controle, ainda que gozemos da sensação de ocupar nosso centro de comando.


Enfim, não nos comportamos de modo estritamente lógico e deliberado. Nossa cadeia de pensamento se move atrelada à fluidez de impulsos e sentimentos, capazes também de nos comandar. Uma das evidências disso, para além das variações cotidianas do humor, está no fato de não escolhermos a pessoa por quem nos apaixonamos. E isso vale para o campo amoroso tão bem quanto para o campo do trabalho. Escolher uma profissão com base apenas em argumentos racionais? Equivalerá a se casar por conveniência, um caminho para a infelicidade. Freud propõe aos médicos de sua época escutar o que há de infelicidade no surgimento de certas doenças, advertindo-os de que não basta estabilizar a biologia do paciente – ele retornará daqui a algum tempo, com sua mesma infelicidade.


Um século depois e devemos bendizer cada uma das conquistas e descobertas da medicina. Contudo, quando o terreno é o das emoções, a promessa de atalho é tentadora: dispomos de medicamentos para a insônia, cirurgias para a obesidade... e a infelicidade que causa a perda do sono ou a ânsia pelo alimento pode ser ‘bypassada’, ludibriada, adormecida. Apenas aparentemente. O que a experiência clínica nos mostra é que, em geral, essa tentativa de ludibrio faz apenas com que o ignorado retorne e assombre, feito um urso branco. É justamente a observação desse ‘efeito de retorno’ uma das maiores contribuições de Freud. E a questão aqui não é ir contra a medicina, mas cuidar de sua acertada ou equivocada aplicação. O crescente e excessivo uso de substâncias psicoativas (psiquiátricas) no estilo de vida contemporâneo tem estatísticas alarmantes. Para quem deseja ir mais fundo nesse tópico, recomendo o excelente artigo publicado em 2011 na revista Piauí, A epidemia da doença mental.


Sim, existem transtornos que requerem uso contínuo de medicamentos, mas mesmo aí um trabalho em conjunto com a escuta analítica pode trazer benefícios. Em outros casos, tratamentos que possibilitam uma alternativa a longos anos de medicação chegam a ser inspiradores. O que está em jogo geralmente, para início de conversa, é que sentimentos, por mais penosos ou estranhos a nós mesmos que pareçam, não poderão ser ignorados ou repelidos – uma distorção comum quanto à expectativa de ‘controle’ sobre as emoções. Sentimentos estão aí para serem admitidos e atravessados. O que não significa necessariamente ceder a eles. A lógica aqui é inversa: por exemplo, admitir para si o ódio por alguém, não implica em partir para cima desse alguém; a pressão interna para calar esse ódio é que pode, porventura, gerar uma explosão violenta para cima desse alguém. É mesmo contraintuitivo: no que sentimentos são acessados, podemos trabalhá-los, dar destino a eles; se teimamos em anulá-los, só se fortalecem.


Numa consulta rápida ao Google, uma constelação de ocorrências oferece textos e vídeos com técnicas, passos e dicas de controle emocional. Mas nada é homogêneo e consensual nessa seara, a começar pelo fato de que pessoas das mais diversas áreas se aventuram a falar sobre isso. E aqui chegamos ao ambiente organizacional, que demanda constantemente conteúdos sobre esse tema. Nem percamos tempo maldizendo a autoajuda, cujas limitações são evidentes, mas o fato é que profissionais de agora se veem premidos por inúmeras exigências, do domínio de idiomas a diversas soft skills, como capacidade de trabalho em equipe e tato nas relações. A velocidade-ansiedade atual e o clima de incertezas e inovações nos desafiam a todo momento a não nos afogar nesse fluxo ininterrupto de estímulos. Isso faz do controle emocional um objeto de desejo para muitos. Mas, afinal, no que investir para aprimorar isso? As opções são variadas e a sugestão natural é que cada um procure o caminho que mais lhe causar curiosidade e atração.


No meio disso, ainda assistimos ao avanço da neurociência. Muito do que atualmente se produz sobre nossa dinâmica emocional se apoia nela – para o bem e para o mal. Curioso como hoje o prefixo neuro doura de credibilidade qualquer termo que o siga. Sempre que encontro discursos associados à neurociência, costumo distingui-los em três blocos: 1) descobertas e aplicações interessantes; 2) novas promessas de controle do urso branco incontrolável; 3) atrativo para vendas e simplificações enganosas. A explicação mais celebrada hoje em palestras é a que divide nosso cérebro entre neocórtex (periferia racional, lógico-linguística) e sistema límbico (miolo emocional, primitivo-reativo), e a partir daí os três blocos discursivos se desdobram, nos animam... ou enrolam.


Confesso, eu que desde cedo na graduação me vi tomado pela psicanálise, que nunca fui muito fã do termo ‘controle’ atrelado às emoções. Lacan falava em “saber lidar ali” (savoir-y-faire). E depois de muito ler e matutar, encontrei no surfe (embora eu não saiba surfar) a metáfora que melhor me ajuda a distinguir ‘controle’ de ‘saber lidar ali’. Vejamos, o surfista não controla as ondas, aqui equivalentes às suas emoções; seu saber lidar com elas apenas lhe permite, com humildade, atravessá-las e até tirar proveito delas, nunca livre de eventualmente ser arrastado pela intensidade de algumas. Do contrário, se acredita que está tudo sob seu controle, fica ainda mais vulnerável a tomar “caixotes” ou ser arrastado por ondas violentas, passando a se sentir dividido. Tomando como exemplo um grupo de controle da obesidade que coordeno há dois anos, com grande satisfação, em parceria com uma nutricionista, se caso algum dos participantes, após algum tempo de luta contra a balança, não obtém resultados, insistir no papel de motivador do cumprimento da dieta, da atividade física e da disciplina consciente, em geral, apenas faz com que a pessoa se sinta ainda mais impotente e culpada por não conseguir emagrecer. É hora de dar ouvidos à infelicidade ali envolvida; com seu consentimento, cavar em outras regiões, todas elas articuladas entre si. Chega a ser instigante como algo se desenlaça a partir disso. Não se trata de um treinamento cognitivo, de ensinar aos participantes a controlar suas ‘ondas de fome’, mas propiciar que as atravessem um pouco melhor, entrando em contato com efeitos indiretos que as animam. Essa é uma grande diferença que distingue a psicanálise das terapias cognitivo-comportamentais, embora esteja na mão dos sujeitos a escolha sobre qual delas seguir.


De fato, muito do que leio hoje sobre controle emocional orbita em torno de técnicas para se situar no meio de um maremoto: controle da respiração, autoindução sugestiva, exercícios mentais para ativação do córtex racional etc. Sendo que, para a psicanálise, o que está em jogo não é o que fazer no meio de um maremoto, mas reconhecer as repetições de conduta que nos levam seguidamente a eles. O tema das repetições de destino, do tipo “caramba, mudei de cidade por conta da relação difícil com meu chefe e agora, um ano depois, parece que estou vivendo a mesma coisa com meu novo chefe!”, foi observado com muita perspicácia por Freud. Para quem tiver interesse, publiquei um artigo sobre esse tema em específico.


Dessa maneira, uma vez que não nos será possível controlar diretamente as emoções, cabe, pela via psicanalítica, atentar para nossas condutas a fim de que possamos nos responsabilizar pela repetição de episódios que, em grande medida, tem a ver com nossa teimosia resiliente.


Esse ponto crucial, pouco explorado pelos estudos da Inteligência Emocional, desloca a questão do domínio das emoções para o exame e aprimoramento de nossa visão de mundo (mindset), ou seja, nosso repertório de crenças e valores, esses mesmos que nos levam a agir da maneira como agimos, com nós mesmos, e no convívio diário com nossos semelhantes.



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