Evitar palavras negativas, dispensar crenças limitantes, aprender a afirmar para alterar a realidade a seu favor. Diretrizes assim circulam com vigor pelo mundo corporativo, mas o que as diferenciam de um tipo discreto de superstição?
Para investigar melhor isso, precisamos primeiro entender o que seria, de acordo com o behaviorismo, um comportamento supersticioso.
Vamos lá?
UM RATO SUPERSTICIOSO
Tive um ratinho no 3o. período da faculdade. Ficava abrigado no laboratório de psicologia comportamental e, em algumas aulas, era colocado no interior da Caixa de Skinner, como na figura abaixo.
Uma vez ali, explorava o local até descobrir a barrinha fixada na parede - base do condicionamento operante de Skinner -, que lhe trazia um gole de água se pressionada.
Dentre os experimentos possíveis a partir dela, me surpreendeu poder gerar no rato um comportamento supersticioso.
Como? Acontece que também é possível fazer com que a água surja para o rato sem que ele acione a barra.
Numa segunda oportunidade na Caixa, o rato, já acostumado a usar a barrinha, verifica que dessa vez ela não funciona. Naquele dia, fica determinado que de dois em dois minutos, não importa o que o rato faça, a água aparecerá para ele.
Após receber água algumas vezes nesses intervalos de tempo (e verificar de novo e de novo que a barrinha é inútil), o rato elege, por ele mesmo, algum comportamento – no caso do meu, dar voltinhas em torno dele próprio –, certo de que encontrou a nova ação que lhe traz sua água.
E depois que estabelece a conexão não rompe mais com ela: rodopia em torno de si e já se posiciona, aguardando o que sua "dança da chuva" - tipo de ritual executado em certas comunidades visando trazer chuvas para a colheita - irá lhe trazer.
Repare que, se deixasse de dar o rodopio, ganharia água do mesmo jeito, mas uma vez criada a conexão supersticiosa, o animal não tem meios de desfazê-la.
Agora vejamos como isso funciona em nós, seres humanos.
UM HUMANO SUPERSTICIOSO
Um programa de televisão reproduziu o experimento acima na forma de uma pegadinha.
Convidou pessoas para um desafio: trancadas numa sala com objetos variados, deveriam descobrir como marcar pontos, até que, alcançados 100 pontos (exibidos em um painel na parede), poderiam sair da sala.
Acontece que, na sala ao lado, uma outra pessoa, completamente alheia ao que se passava na sala vizinha, deveria marcar 1 ponto toda vez que um peixinho colocado à sua frente fosse para o lado direito do aquário.
O ponto marcado aparecia no painel onde as pessoas estavam trancadas.
Resultado: as pessoas trancadas também começam a criar "danças da chuva", crendo que ações suas produzem pontos no painel – só que não, os pontos são determinados pelo movimento aleatório de um peixinho na sala ao lado.
Se quiser assistir ao experimento, confira-o aqui:
O ESPÍRITO CRÍTICO
Se, entre os participantes trancados naquela sala, houvesse alguém munido de espírito crítico, iria propor algo que jamais ocorreria a animal algum, exceto o homem: não fazer nada, para verificar a hipótese de um agente externo.
— Vejam, – diria o indivíduo iniciado na desconfiança que move todo cientista – o painel pontua mesmo se não fizermos nada, deve estar subordinado a algo que independe de nós.
Bingo. Uma das definições possíveis para ciência poderia ser 'perseguir aquilo que contraria nossas intuições'.
Quando criança, lembro de um tio meu me perguntar: o que pesa mais, 1kg de chumbo ou de alface?
Minha intuição infantil só podia responder chumbo, então meu tio me explicava que pesavam a mesma coisa: 1kg.
O teste de soltar um objeto leve e outro pesado no chão, para saber qual chega primeiro, enganou até Aristóteles, que intuía que o mais pesado caísse mais depressa.
Anos atrás, um experimento no vácuo comprovou na prática o que Galileu calculara, contraintuitivamente, já no Séc.17: não importa o peso, objetos caem ao mesmo tempo se retirada a resistência do ar.
Se nunca assistiu a isso, confira aqui:
Mas para que esse artigo não se torne demasiadamente abrangente e difuso, deixemos de lado os muitos tipos de enganos intuitivos possíveis, nos concentrando apenas nesse:
conexões entre causa e efeito que dependam de uma AÇÃO para acontecerem: algo do tipo 'se eu fizer isso, acontecerá aquilo'.
No caso do experimento das pessoas trancadas na sala, suas "danças da chuva" equivaleriam a se aconchegar nas primeiras intuições sobre como marcar pontos, estabelecendo-as sem verificar hipóteses mais ousadas – e menos autorreferentes, sublinhe-se –, tal como não fazer nada.
Essa iniciação à ciência, que nos treina a desconfiar de nossas hipóteses, é algo que muito dificilmente alcançamos sem uma base de educação formal.
Do contrário, o indivíduo pode envelhecer carregado de intuições infantis, como se tudo lá fora se comportasse conforme suas narrativas lhe dizem.
PARA CONCLUIR
Calma, não precisa sair por aí dizendo a nenhum noivo que é bobagem evitar ver sua amada de véu e grinalda antes do casamento.
Certas convenções, ainda que sabidamente supersticiosas, estão arraigadas em nossa cultura e cumprem até funções lúdicas no convívio social, podendo às vezes carregar heurísticas ancestrais de curioso efeito.
De todo modo, não é de hoje que o mundo corporativo, em sua busca constante por resultados e métodos para atingi-los, é campo fértil para toda sorte de modismos, promessas de atalho e... danças da chuva dos mais variados tipos.
Em particular, me chama atenção uma espécie de ortopedia da linguagem, voltada a combater expressões negativas, no melhor estilo "não fala que atrai", algo por vezes comparável à patrulha do politicamente correto, que tolhe e condena expressões correntes, como se sua mera modelagem na fala pudesse de fato alterar o juízo de quem as profere.
Bom, espero ter ajudado a colocar mais uma peça na engrenagem de seu espírito crítico.
Acostume-se a testar a possibilidade de conexões supersticiosas embutidas nos conteúdos que recebe, muitas vezes travestidos com 'cientificidade baseada em estudos'.
Ironicamente, no muito presente combate a crenças limitantes, posturas supersticiosas podem ser uma delas :)
Por Haendel Motta
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