Conhece a comparação feita por Freud entre 'via de pôr' e 'via de retirar'?
É Leonardo da Vinci quem diz que a pintura opera pela 'via de pôr', adicionando tinta sobre a tela, enquanto a escultura pela 'via de retirar', subtraindo lascas da pedra, e Freud, apoiado nisso, indica que a psicanálise seria uma via de retirar.
Mas como assim? Bom, uma coisa é intervir de modo aditivo, sugestionando, depositando conhecimento ou aplicando algum método 'one size fits all' (que atende a todas as pessoas ou circunstâncias); outra é cavar através do material singular que ali se apresenta, demovendo seus subterfúgios e mobilizando suas potências.
Dois exemplos do cinema ajudam aqui:
- No filme "O Discurso do Rei", a gagueira do príncipe Albert é submetida a várias intervenções aditivas: bolinhas na boca, exercícios maxilares, dinâmica com pulos, tentativas de relaxamento. E nada. Daí surge um personagem que não se interessa especificamente pela disfunção, mas em retirar da pessoa que está ali uma voz própria.
- Já em "Kung-fu Panda", o mestre Shifu desiste de ensinar algo ao comilão e desastrado panda Po. Só consegue algo ao perceber com que destreza ele salta e se estica para alcançar bolinhos, retirando dali todo o avanço que se desdobra a seguir.
Percebe a diferença entre as vias? E o fato é que, seja no ensino escolar, em tratamentos clínicos ou treinamentos corporativos, a via de pôr segue superestimada e a de retirar subestimada...
Sendo que, sim, elas se complementam, e para além das especificidades inerentes à clínica psicanalítica, o entendimento dessas duas vias pode ser estendido (ou exaptado) para outros campos.
No slide abaixo, que utilizo em algumas de minhas aulas, desenho um espectro de aprofundamento em duas direções: pela via dos 'objetos', adicionamos em nós formações técnicas, titulações, conhecimentos gerais, específicos, tudo o que possa caber num currículo; já pela via do 'sujeito', vamos trilhando aos poucos um caminho de autodescoberta, esculpido por meio de experiências que nos tiram lascas, e de onde emerge um traço autoral e inventivo, que é nossa maneira única – e por que não imperfeita? – de manejar tudo o que conquistamos pela outra via.

Mais uma vez muito obrigado, Dr. Freud :)
Por Haendel Motta
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